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Para Belo Monte: os rostos de uma luta com dimensão internacional

Belo Monte - As Vozes do Xingu: Uma conversa com Maini Militão

Belo Monte - As Vozes do Xingu: Uma conversa com Maini Militão

© Maíra Irigaray

Fonte : ecoreserva.com.br
A visão de uma jovem testemunha da realidade de Belo Monte. Eram 7 da manhã quando comecei a conversa com Maini. Ela gentilmente esperava comigo na fila do hospital particular de Altamira para um atendimento de rotina. Ali ficamos 4 horas e meia. Maini é uma entre os 4 filhos de Seu Sebastião, agricultor que há 10 anos havia construído uma vida no que hoje chamam de “Canteiro Pimental”, da Usina de Belo Monte. A família saiu há um ano e dois meses de suas terras e, como frisa Maini, até hoje não receberam “nem um quilo de sal” como compensação.

Espevitada e cheia de energia, com seus longos cabelos na exuberância dos seus 17 anos, Maini não esconde a revolta e hoje divide seu tempo entre estudos e a luta por justiça.

Quando perguntei das suas lembranças de infância, ela pareceu transportar-se para outra dimensão. Com o sorriso alagando o rosto, divagou por momentos desde seus 7 anos, quando pisara pela primeira vez na terra que chamaria de sua até chegar Belo Monte.

“São muitas as lembranças; boas lembranças… Eu e meu irmão colhíamos castanha porque no começo quando a gente plantou cacau ele não produzia e a gente precisava de outros meios para poder sobreviver. A gente acordava as 4 da manhã para a colheita. Usávamos facão e sacos para o trabalho. Toda os dias minha mãe deixava um pote de bolo pra gente levar e comer; eu adorava! Íamos fazendo picada cortando a mata. Quando a gente chegava no pé de castanha a gente pegava os sacos pesados de castanha, carregava e amoitava para ninguém roubá-las. A gente ia pegando a castanha e pisando devagar no chão. Qualquer ventinho que a gente escutava a gente saia correndo para debaixo do pé de castanha porque elas caíam todas com o vento. Por isso tínhamos que ter bons ouvidos e estar sempre prestando atenção. Na mata não se escutava nada a não ser os passarinhos. (…) A gente também tinha outras plantações como as de abóbora. Colhíamos 6 mil quilos por semana fora o cacau. Nunca nos faltou nada.”

O tal “nunca nos faltou nada” ficou ressoando em meus ouvidos. É importante ressaltar isso, porque nós da cidade temos uma visão muito distorcida do que significa “viver bem”. Nosso conceito de progresso é absurdamente retrógrado e equivocado.

Maini deixou claro que o trabalho fazia com gosto e que sente falta dos velhos tempos: “sempre ajudamos com tudo. A abóbora, por exemplo, a gente passava três dias carregando para deixar na beira do rio e trazer para a cidade. Não tínhamos uma rotina chata, nossa vida era gostosa. Ajudávamos na plantação, fazíamos roça de maracujá, abacaxi, banana, cupuaçu, coco, cacau, milho, macaxeira… Tinha tudo! De manhã era plantação, depois almoçavamos juntos. A tarde roçar e pescar. Eu era tão feliz no sítio, eu nunca queria sair de lá”.

Qual é a sua melhor lembrança, perguntei. “Foi no dia que a roça estava toda pronta e só faltava plantar. Tinha vários buracos para plantar cacau. A minha mãe chamou e disse, carregando uma pequena muda de cacau: “olha aqui gente; esse é o futuro de vocês”. Naquela semana plantamos seis mil mudas de cacau. A minha mãe carregava 12 mudas em sacos cheios de terra quando já estava com oito meses de gravidez. Nem meu irmão conseguia carregar tantas mudas.

Imaginando a sua felicidade e a vida que já não tem, não pude deixar de indagar o que foi que ela sentira quando soubera da ameaça de perder a terra pela primeira vez, por conta da Usina de Belo Monte. A feição de Maini mudou completamente. Foi como se tivesse caído dos céus ao inferno em um segundo. “Eu me senti muito triste. Eu cresci na roça. As pessoas diziam que ia alagar, mas nunca pensei que nos expulsariam da terra. Quando a ordem de despejo chegou foi horrível. Meu pai ainda assim resistiu na terra por muitos dias até o dia em que chegaram uns 10 carros da Justiça Federal, recolheram os pertences do meu pai e derrubaram a casa. Depois disso meu pai armou um barraco nas terras e ficou lá. A gente veio pra cidade com a minha mãe.”

A história porém se desdobrou em várias outras etapas, com  ameaça de morte ao pai de Maini, Seu Sebastião, seu desaparecimento e retorno pra casa (no modo de falar,  pois casa ele já não tinha).

Segui minha indagação: Como foi que a sua vida mudou? O que mudou? “Tudo! Sabe o que é virar uma coisa do avesso assim? Amassar tudo. Mudou tudo. A gente tinha o nosso lucro. A gente comia de tudo. A gente tinha tudo. Eles vieram, não pagaram nem um centavo para nós; nem um quilo de sal. Tínhamos uma casa na cidade que era alugada por 300 reais. O aluguel subiu para 1000 na época que a construção começou. Uma semana depois perdemos a terra. O meu padrinho e o da minha irmã foi quem nos ajudou. Meus pais estão morando na chácara do padrinho da minha Irmã de favor e hoje meu pai trabalha para outras pessoas. Eu e minha Irmã estamos na cidade estudando. Morando na casa do Xingu Vivo. Se não tivesse aquela casa não íamos ter onde morar. Para mim é uma injustiça a gente trabalhar a vida toda para passar por isso. Minha mãe, depois que começaram as obras de Belo Monte, parou de ir no sítio que a gente tinha porque ela passava mal achando que o rio estava com raiva dela. Como se o rio quisesse dizer algo pra ela.”

Quando perguntei da sua pior lembrança Maini não hesitou um segundo: “foi o dia que eu vi tudo derrubado. Eu não me aguentei. Comecei a chorar. Chorei pela destruição da natureza e por toda nossa vida e história. Pra mim eu senti que ali acabava meu futuro. Acabava tudo. Sabe quando você joga uma moeda no ralo e ela cai lentamente. Eu me senti assim. Eu não sabia o que fazer. Dai minha mãe perguntou para o chefe da Norte Energia o que ia ser da nossa terra. Ele respondeu que ia ser o local onde colocavam o lixo. Minha mãe exclamou: nossa vai ter tanta gente para fazer um lixão? Ele respondeu: não, a gente vai jogar as árvores que vai arrancar aqui. Dai minha mãe disse: - Nossa, mas com uma árvore a gente faz um banco, uma mesa, uma cadeira. Você escutar alguém falar que árvore é lixo, eu chego a passar mal! Eu senti que ele partiu o coração da minha mãe naquele dia.”

Ali, naquele momento, o meu coração também se partiu. Maini era tão jovem e havia vivido tanto! Seus olhos inocentes haviam sido violentados pela destruição e injustiça. Sua dor era transparente como as águas do Igarapé que um dia banharam suas terras.

Ela concluiu me indagando “tinha uma castanheira na minha terra que precisava de cinco pessoas de mãos dadas para abraçar e que foi derruba. Cadê a justiça? Eles podem vir, quebrar, derrubar, jogar no lixo aquela castanheira? Cadê a Justiça? Isso é um absurdo! Maini sabe que tudo isso é responsabilidade do Governo Federal, por isso eu perguntei: o que você diria para a Dilma?

Na resposta curta e grossa ela respondeu “Eu não ia aguentar ser civilizada. Eu provavelmente iria gritar e xingar ela. Eu tenho muita raiva dela.”

O que você pode dizer para o povo brasileiro?

“Meu povo, a coisa não é como vocês estão pensando. Eles estão chutando, massacrando, destruindo tudo. Crianças estão sendo estupradas, gente inocente está sofrendo, a natureza esta sofrendo; tudo as custas do nosso dinheiro; do seu dinheiro! Vocês precisam ter consciência disso! Não queira algo só para si mesmo; se coloque no lugar das outras pessoas.”

Quando perguntei do futuro, Maini concluiu “para o futuro, eu quero estudar, me formar e meter o pau nestes desgraçados. Quero fazer justiça”.

 


Maíra Irigaray é advogada Internacional de Direitos Humanos e Meio Ambiente. Mestre em Direito Comparado pela Universidade da Florida. Atualmente Coordenadora de Campanha de reforma das Instituições Financeiras Internacionais para a Amazon Watch e Coordenadora da Frente "Bancos" para o Movimento Xingu Vivo para Sempre.


 

© ecoreserva.com.br : artigo original

Date : 28/03/2013

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